“As vacinas foram o maior avanço da história da medicina.”
Quem afirma é o médico oncologista e escritor Drauzio Varella, rebatendo uma onda crescente de movimentos críticos à vacinação surgidos em diferentes partes do mundo – inclusive no Brasil.
A “hesitação em se vacinar”, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é uma das dez maiores ameaças globais à saúde em 2019. Em todo o mundo, a BBC vem publicando reportagens sobre o tema.
“Quando eu era menino, cresci num bairro operário de São Paulo, havia as chamadas doenças da infância. Era como um tributo que se tinha que pagar para chegar à adolescência”, conta Varella, que hoje tem 76 anos.
“Quando surgiram as vacinas, houve uma queda abrupta não só das doenças, mas da mortalidade infantil. A mortalidade infantil caiu muito. No Brasil, lá pelos anos 1950, chegava a mais de 100 crianças mortas para cada mil habitantes. Praticamente 10% das crianças morriam até os primeiros cinco anos de vida.”
Segundo os dados mais recentes do IBGE, o Brasil tinha 14 mortes para cada mil nascidos em 2016 – no ano anterior, eram 13,3 mortes (a cada mil).
Ainda segundo o médico, as vacinas são o grande responsável pelo aumento da expectativa de vida em todo o mundo no último século.
“A expectativa de vida dobrou ente 1900 e o ano 2000. O que causou essa revolução? Não foi a medicina que a gente pratica no dia a dia. Controle da pressão, tratamento do câncer… Não foi isso, porque essas doenças atingem a população mais idosa. Quando você tem uma pessoa que morreria de infarto aos 60 anos e você trata rapidamente e ela escapa do enfarto, ela vai acabar morrendo depois por outra doença. Agora, quando você tem uma criança que morreria aos dois anos de idade por uma doença infecciosa, e essa criança vai morrer aos 80 anos, essa puxa a expectativa de vida lá para cima. A grande responsável por esse aumento da expectativa de vida foi a vacinação”, afirma.
Dados do Ministério da Saúde mostram que todas as vacinas destinadas a crianças menores de dois anos de idade no Brasil vêm registrando queda desde 2011.
Por exemplo, a cobertura vacinal contra poliomielite no país era de 96,5% em 2012; dados preliminares de 2018 mostram que a cobertura dessa mesma vacina foi reduzida para 86,3%.
Segundo o ministério, a redução pode ter diferentes causas: o sucesso do programa nacional de imunizações no país – já que a eliminação de algumas doenças no país pode ter levado a “uma falsa sensação de que não há mais necessidade de se vacinar porque a população mais jovem não conhece o risco” e dificuldades de acesso dos pais aos serviços de saúde. A terceira hipótese diz respeito justamente à resistência à vacinação, embora não se saiba exatamente qual é o peso do movimento negacionista na cobertura vacinal do Brasil.
Varella é categórico sobre o tema e diz que o movimento antivacina é criminoso.
“Eu não conheço nenhum médico que deixe de vacinar os seus filhos”, diz.
Ele cita a volta do sarampo para ilustrar seu ponto de vista. “Nós não tínhamos no Brasil mais ninguém com sarampo. O que aconteceu? Quem eliminou o sarampo da população brasileira? Foi a vacina, evidentemente. Mas começaram a aparecer crianças não vacinadas, no caso do Brasil houve uma imigração da Venezuela, muitas ou algumas das crianças não eram vacinadas. Chegaram ao Brasil. Se elas encontrassem toda a população vacinada naquele momento, não haveria risco nenhum. O problema é que havia crianças brasileiras que não estavam vacinadas. E o sarampo, que era uma doença que havia desaparecido, foi reintroduzido. Nos EUA, acontece exatamente a mesma coisa”, diz.
Sobre as teses de que o uso de frações de vírus causadores de doenças nas vacinas exporia crianças a enfermidades, ao invés de protegê-las, Varella diz que o volume de crianças doentes ou mortas ao redor do mundo seria inestimável, caso a tese fosse verdadeira.
“Imagine: quantas crianças foram vacinadas no mundo? Quantas estão sendo vacinadas no dia de hoje? São milhões e milhões de crianças no mundo inteiro. Se isso fosse verdade, essas pseudodoenças ou doenças imaginárias, quantos casos haveria?”, diz.
“Você injeta a vacina em doses mínimas e essas doses são suficientes para estimular o sistema imunológico (…) Uma pequena quantidade de vírus mortos ou de antígenos de modo geral já é suficiente para estimular o sistema imunológico. É completamente diferente de um remédio, o mecanismo de ação é outro.”
Para Varella, a expansão das teorias de conspiração sobre a vacinação também se relaciona com problemas de comunicação entre médicos e sociedade.
“Os médicos acham tão absurdo isso que até se negam a discutir esses assuntos. E é mau isso. Porque essas pessoas, algumas das quais por motivos ideológicos, outras mal intencionadas mesmo, dão explicações bem simplificadas, que até parecem ter certa lógica para quem não entende nada de medicina. O fato de os médicos não se comunicarem com a população, não procurarem explicar e rebater esses argumentos é mau, porque deixa espaço para os outros repetirem essa pseudociência e essas teorias da conspiração de que médicos estão mancomunados com o capital internacional, a indústria farmacêutica.” (fonte: BBC Brasil)
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